segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Fique em paz Cauê, e nos perdoe!



Cauê acabou de ser convocado para a seleção brasileira. Fiquei muito feliz porque o garoto merece. É um ótimo jogador! Ouvi falar pela primeira vez em Cauê quando ele apareceu na televisão se dizendo fã de Neymar. Cauê tinha doze anos.
Aos quinze anos Cauê foi jogar na escolinha do Flamengo, e aos 19 já estava no time principal. É um atacante perigoso que agora, na seleção brasileira, vai dar muito trabalho para a defesa de qualquer time. A mídia aprovou a contratação! Cauê ainda é novo, tem apenas 22 anos, e tem um futuro brilhante pela frente.
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Antes de se sentir triste, extraia desta crônica um momento de lucidez para a sua própria vida. A verdade é triste, mas nela podemos ver muitas outras coisas. O meu coração, quando ouvi a matéria no telejornal, captou mais do que um momento comovente.
Cauê não vai ser convocado para a seleção brasileira, nem vai jogar jamais na escolinha do Flamengo. Cauê não vai fazer quinze anos, tudo o que escrevi acima eu inventei.
Os abutres da violência observam crianças descuidadas para tirar-lhes a vida, esperando a hora de cada pequena alma se entregar definitivamente. Sim, Cauê está morto! Foi a décima quinta criança atingida por bala perdida este ano em nossa Cidade maravilhosa, e foi a quinta vítima fatal. Seu corpo fraco e abatido deve ter implorado por socorro e esperança, mas não adiantou.
Talvez ele quisesse apenas mais uns poucos anos de vida, apenas para ajudar aos pais a comprar uma casa (como Cauê disse no filminho de whatsapp), mas os abutres da violência com rifles nas mãos tiraram a sua vida. Ele ainda não tinha um Deus dogmático, nem uma fé escrita, nem nada em que pudesse se agarrar para espantar os abutres que o espreitavam. Ela tinha dentro de si apenas um coração de criança e um pouco de vida.
Por tudo isto eu pedi a vocês que, antes de se sentirem tristes, extraiam desta crônica um momento de lucidez para as suas próprias vidas. A verdade é triste, mas nela podemos ver muitas outras coisas. O meu coração, quando ouvi a matéria no telejornal, captou mais do que um momento comovente, captou também a mais completa falência do Estado em termos de segurança. E captou principalmente a certeza cruel de que não adianta mais pensar no futuro de Cauê, nem de outras crianças que, pelas estatísticas, serão vítimas em breve dos abutres da violência. É isto que me deixa com o coração em insana agonia! Cauê estava entre nós até o sábado passado, mas agora ela não vai mais ter dias repletos de vento e de luz, nem de jogos de futebol, nem de brincadeiras de viver. Cauê não vai mais sorrir, nem vai mais dar abraços sussurrando segredos. Mas Cauê, como todas as crianças que se vão prematuramente, vai deixar aqui nesta Terra assustadora e sombria lembranças de sua alegria, posto que a maior virtude das crianças é deixar doses generosas de carinho e alegria conosco quando elas partem.
Fique em paz Cauê, e nos perdoe por não termos cuidado melhor de você.
Wanderley Rebello Filho - Advogado

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