Capítulo da monografia de graduação “O Jeans Nosso de Cada Dia”
Por: Denise Machado, em 1997
Na década de 40 o denim ( ou brim ), já estava sendo empregado em vestidos, saias, paletós e calças da moda. Mas é na década de 50 que a valiosa criação de Levi Strauss, surge como a “moda do jeans” . Eram conhecidas como as calças rancheiras. Desde então vêm sendo criados os modelos justos ou “ baggy” ; Saint - Tropez ou Boca de Sino ; Pantalona; o jeans bordado com flores e remendados, e o modelo com lycra - o “ Strech “ , que atingiu o seu auge nos anos 80, retomando atualmente o seu lugar nas vitrines e nas ruas das cidades brasileiras. Contudo, o modelo mais vendido ainda é o tradicional five-pockets , com três bolsos dianteiros, sendo um deles menor e embutido, e dois bolsos traseiros.
A Levi’s é a patente mais antiga e famosa do mundo, sendo a indústria de vestuário precursora no uso do denim , no ano de 1853. Em seguida, em 1889, a Lee produz a primeira jaqueta denim e introduz o uso do fecho ecler, dando igual importância ao tradicional e ao inovador. Em 1939, a Levi’s lança o primeiro modelo jeans para mulheres, a Lady Levi’s. Em 1947, fechando a trilogia das principais marcas mundiais de jeans, a Wrangler , é a primeira marca a usar, nos Estados Unidos, o black jeans. Lança em 1950 o seu primeiro modelo feminino e, em 1961, se estabelece na Europa. No ano de 1964 funda empresas na Alemanha e na Inglaterra. O denim torna-se então o grande filão mundial das empresas “ sportswear” .
“ Apenas dois trajes trouxeram uma revolução à história do século XX : O jeans e o conjunto esportivo. Ambos trajes sóbrios, íntegros, funcionais e neutros “ . [1]
Qualquer que seja o modelo ou o corte, o tecido Índigo Blue é associado a trajes informais. Ninguém abre mão de um bom jeans. Nem os grandes estilistas que “ vestem” a moda “ O Jeans Nosso de Cada Dia” e abusam de sua originalidade nas passarelas. O denim ( brim) atingiu o auge de sua popularidade na década de 70 com a maciça e diversificada fabricação de jeans e, em 1971, surge mais uma marca, a Jinglers, fundada na Alemanha.
“A evolução das roupas traduz a diluição dos papéis e das posições sociais. Em 1965, é a primeira vez que a produção de calças de mulher supera a de saias; Em 1971 são fabricados 14 milhões de calças, num total de 15 milhões de roupas. É o triunfo dos jeans, cuja produção quadruplica entre 1970 e 1976”.[2]
Os jeans vão ganhando novas formas: bordados ou enfeitados com tachas. A partir dos anos 60 começam os vários tratamentos de lavagens do denim. O delavê é um exemplo da época, com o jeans virando mania em St. Tropez.
“ No começo dessa mania, desprezavam-se os jeans novos. Algumas pessoas pensavam na tentativa de desbotá-los. Felizmente logo puderam comprá-los já descoloridos” [3]
Objeto de desejo e de consumo, o jeans entrou no Brasil nos anos 60, seguindo as novas tendências determinadas pelo modismo da época. Esse produto entrava no país através de contrabando, como na Europa. Haviam vários pontos de venda clandestina ( os mercados-negros ). Apesar da Levi’s ser a precursora do jeans, foi a marca Lee que conquistou em primeira mão o público brasileiro.
Muitas pessoas ainda pensam que a moda do jeans surgiu com a marca Lee. No Brasil, este fenômeno transformou a calça Lee em sinônimo de calça jeans. Todos queriam ter uma calça Lee, não uma calça jeans. Neste caso específico faz-se a analogia do consumidor genérico que pede uma gilete - uma lâmina de barbear, que pode ser um Prestobarba ou qualquer outro produto de barbear . A marca Gilette traduz para o consumidor brasileiro, o aparelho de cortar. O mesmo ocorreu durante muito tempo com a calça jeans, que ficou vinculada à marca Lee. É a marca determinando o produto.
Em 1972 a moda do jeans chegou, oficialmente, ao Brasil com a marca US TOP, fabricada pela pioneira São Paulo Alpargatas, em São Paulo. No entanto o Legítimo Indigo Blue só começou a ser fabricado no Brasil no ano de 1976, sendo a Ferreira Guimarães uma das primeiras das três tecelagens brasileiras a produzir este tipo de tecido. Neste mesmo ano a indústria têxtil Santista também entra no mercado de fabricação do denim.
“ A cultura norte - americana domina esmagadoramente na área do estilo de vida global” .[4]
Líder do mercado americano e mundial, a marca Levi’s entra, oficialmente, no mercado consumidor brasileiro no ano de 1974. Em agosto deste mesmo ano lança seus primeiros modelos no Brasil, sem obter sucesso, pois a Levi’s segmentou o público brasileiro em função do seu público norte - americano . No Brasil, a Levi’s só começou a ter lucro no ano de 1978, quando então reformulou seu produto e suas estratégias para melhor atender o público brasileiro. A empresa fez as adaptações necessárias para um público heterogêneo e diferente dos demais países . Em 1980, a Levi’s ocupa, no Brasil, a quinta posição mundial - nesta época ela já atuava em 20 países.
No começo dos anos 90 houve a fusão das indústrias têxteis São Paulo Alpargatas e Santista, garantindo a produção do legítimo tecido Índigo Blue. Essas duas empresas têxteis são as mais antigas e tradicionais no Brasil. De origem argentina, a São Paulo Alpargatas instalou-se no Brasil no ano de 1907, atendendo à população rural com a linha de calçados , as alpargatas - à base de algodão e juta - e a linha têxtil, fabricando tecidos de algodão. Mas, é no ano de 1955 que a Alpargatas ingressa, de vez, no mercado de confecção.
A indústria têxtil Santista foi criada no ano de 1924, visando a produção de tecidos utilizados na sacaria de farinha de trigo industrializada, então, pela própria Santista - empresa que passa a ter maior destaque no ano de 1972 , com o lançamento nacional da US TOP. Tanto a Alpargatas quanto a Santista sempre investiram na veiculação das mídias para valorizar os seus respectivos produtos junto ao público consumidor, atendendo sempre às demandas de produção dessas empresas.
A Ferreira Guimarães é também uma indústria têxtil que, seguindo a linha de pensamento das indústrias supracitadas, diversifica sua produção de tecidos, aprimorando cada vez mais a qualidade da produção do verdadeiro Índigo Blue e investindo nas veiculações intensas, com propagandas na televisão e com as mídias impressas também. Essa empresa, originária de Minas Gerais, teve seu nome veiculado cerca de oito anos na mídia, e muitos consumidores assimilaram a idéia da Ferreira Guimarães ser uma grife de jeans. No entanto, ela é uma fornecedora de matéria - prima para a confecção de vários tipos de tecidos, atendendo a diversas marcas e grifes.
A Ferreira Guimarães não produz só a grossa sarja de algodão, estando sempre atenta às tendências da moda e dos gostos específicos das marcas e grifes que, com certa antecedência, pesquisam todos os itens - taxas, produção, ponto, promoção, veiculação, venda final e retorno - que constituem esse processo de ponta a ponta. Isto porque existe uma forte tendência de todos os fabricantes de tecidos ingressarem nos ramos da confecção e da comercialização do produto final.
Atualmente, a Levi’s tem a liderança de um nicho do mercado consumidor classe A , obtendo parte da sustentação de seu negócio com a venda de jaquetas, camisetas, sapatos e acessórios também. No Brasil, o modelo da calça 501 custa em torno de R$ 90,00, enquanto que nos Estados Unidos essa mesma calça custa em torno de U$30,00. A Levi’s tem pontos de franquia em todo o mundo e no Brasil tem atuação em todos os estados, além da exclusividade da etiqueta Alpargatas e Santista - indústria têxtil que atende atualmente a Levi’s do Brasil.
A Levi’s é de âmbito nacional, e, neste novo momento, lidera de forma mais abrangente os mercados consumidores do país e seu público-alvo é elitizado. A Levi’s não atua só em determinadas regiões, segundo declaração do diretor de marketing da Inega, Sr. Roberto Levacosta. Este fato vem ocorrendo com a marca Lee - atuando mais em São Paulo e na região Nordeste - e também com a marca Wrangler - atuando mais na região Nordeste para um público específico, os peões de rodeios, que precisam de um produto resistente, confeccionado, então, por essas duas marcas. Essa regionalização também se deve ao gradativo aumento das lojas multimarcas nas cidades do interior do Brasil.
As marcas Lee e Wrangler completam com a Levi’s , a trilogia das marcas tradicionais e principais na confecção de jeans. No entanto, mudaram sua estratégia mercadológica, atendendo tanto o público de shopping das grandes cidades, quanto o público de cidades menores, onde as lojas multimarcas vêm crescendo, cada vez mais, aumentando o lucro dessas duas marcas.
No início dos anos 70, o jeans torna-se o ícone da sociedade brasileira com o “ jingle” da US TOP ” Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada...” . Foi uma propaganda que transformou o jeans em sinônimo de liberdade e juventude. Nesse período, houve uma acelerada ascensão do jeans no Brasil, onde cerca de 700 fabricantes utilizaram em torno de 2 mil marcas diferentes, atendendo à demanda dos públicos desse produto, em todo o país.
O jeans ficou, então, atrelado aos conceitos pré-concebidos pela nossa sociedade, sendo valorizado pela homogeneidade de seu público consumidor, independente de marca e, fixando-se como um “ fio condutor” da “ comunicação de massa”. Obteve a identidade de contexto e de estrutura que tornou possível a aproximação dos diversos padrões sócio-econômicos do Brasil, e dos demais países capitalistas.
No Brasil, a famosa calça Lee entrou no mercado consumidor de São Paulo - a capital da moda brasileira que ainda é o ponto de maior atuação da marca Lee. Posteriormente, esta marca se firma cada vez mais em todo o Brasil. O jeans já havia se consagrado como a nova linguagem no contexto global da modernidade, tanto como produto quanto por ideologia. Salvo nos antigos blocos soviéticos, que ainda não tinham acesso aos fetiches do mundo capitalista.
O mercado de jeans no Brasil está intimamente ligado à vários fatores básicos - da produção do algodão à venda para o consumidor final. As taxas de inflação, a produção do denim( a matéria - prima), a estrutura industrial, verticalizada ou não, os custos referentes à veiculação das campanhas publicitárias das indústrias têxteis - que diversificam sua produção, como exemplo, a Santista ,que sustenta parte de seu negócio com a venda de lençóis - e das diversas marcas de jeans, que são lançadas no mercado consumidor, ajustando seus moldes para melhor atender às necessidades de seu público referencial.
Trabalho, combate, conquista, lazer, sedução e erotismo traduzem a “ segunda pele” - o jeans - que molda a personalidade e o imaginário do homem, desde o seu surgimento nos garimpos de ouro da Califórnia. É a roupa do cotidiano que, independente de religião, das tradições de cultura e de raças, tem uma capacidade de adaptação plural.
“ As tendências assumem a forma de misturas, construções livres, feitas pela própria pessoa a fim de compor seu gênero”[5] .
O jeans então constitui a “ indústria cultural” que, segundo o sociólogo alemão, Theodor Adorno, aspira determinada individualidade, contrapondo-se à hegemoneidade atribuída ao processo cultural e social. Pois o jeans é um produto que vai se ajustando ao corpo de cada pessoa, modelando-o de forma exclusiva. Mas, para Adorno, a “ massa” perde então a condição de sujeito e torna - se a ideologia da “ indústria cultural” - que se tornou possível através do desenvolvimento das técnicas, acelerando assim, o sistema capitalista e, em conseqüência, as potências industriais.
O jeans transformou-se, ao longo dos anos, num discurso ideológico - inicialmente era assimilado como a “ contracultura” dos povos ocidentais - e, ao mesmo tempo, um produto gerador de grandes lucros, tendo o suporte das veiculações na televisão e nas revistas femininas, também . Torna - se filão mundial e ícone que atende ao hedonismo do homem moderno.
O jeans constitui um sistema produtivo que não se articula a partir do consumidor. Mas , sim , em função de um público - massa ( seu público referencial). No Brasil, o jeans tem basicamente três segmentos de público, são eles : classe média e classe baixa, representando a maior fatia de mercado consumidor desse produto; classe alta, a menor fatia de mercado e , estratificando um público recente, o infantil e o infanto - juvenil.
“ Vestir-se é se expressar, e não obedecer aos códigos sociais”.[6]
Além de necessário, o jeans torna-se um produto cada vez mais cobiçado. Em 1974 foi tema central dos laureados na exposição “ Metamorfoses em Jeans” , no Museu de Artes Contemporâneas de Nova Iorque, em concurso promovido pela Levi’s. Tal exposição mostrou a autonomia do jeans como tecido, definindo a realidade Pós - Moderna dos novos caminhos do jeans.
“ O jeans enfeitado deixou de ter relação com a lei do vestuário, pois já não manifesta a especificidade e os desvios que transmitem informações a serem decodificadas; ele inverte a circulação do vestuário. Em vez de conduzir ao código do vestuário, fixa em si mesmo as excitações do social. Portanto, não há perda, como na relação tradicional da roupa com esse código. Há, pelo contrário, um acréscimo, um excesso. Mais do que nunca, o social vem se incorporar diretamente ao jeans” [7]
principalmente porque ele está no cotidiano das pessoas como se fosse a sua “ segunda pele “ . O fetiche é antigo, mas a moda é atual e vem nas diversas cores, nas lavagens e na forma como é apresentado o tecido.
[1] Vincent - Ricard, Françoise - As Espirais da Moda, pág. 155 (linhas; 14 à 16 ) - Editora Paz e Terra.
[2] História da vida privada - da Primeira Guerra a nossos dias - vol. 5 - Companhia das Letras - Pág. 138 .
[3] “ 80 Anos de Moda no Brasil “ - Ferreira Guimarães e Editora Nova Fronteira, 1986- Página 112.
[4] Nasbitt, John, Paradoxo Global - Editora Campus, Segunda edição - Pág. 27
[5] Vincent - Ricard, Françoise - As Espirais da Moda - segunda edição - Pág. 49 - Editora Paz e Terra.
[6] História da Vida Privada - Da primeira Guerra a Nossos Dias - Vol. 5 - Companhia das Letras - Pág. 139.
[7] Revista Traverse, Èditions - CIC, n-3, página 19.
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